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HISTÓRIA

  • Foto do escritor: Elizangela M. Ottonelli
    Elizangela M. Ottonelli
  • 15 de mai. de 2019
  • 5 min de leitura

Atualizado: 16 de mai. de 2019

Substantivo feminino.

1. conjunto de conhecimentos relativos ao passado da humanidade, segundo o lugar, a época.

2. origem e evolução de uma ciência, uma arte, um ramo do conhecimento.



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Catedral de Notre-Dame de Paris em chamas no dia 15 de Abril de 2019.

Há um mês, no dia 15 de Abril, enquanto as chamas consumiam parte da Catedral de Notre-Dame de Paris e ainda não sabíamos o que restaria dela, a mídia e as redes sociais anunciavam uma grande perda para a história da civilização e danos imensuráveis à história da arte e da arquitetura.


Incrédula, eu acompanhava a cobertura do incêndio e me perguntava se aquelas pessoas realmente sabiam qual era a história que elas tanto lamentavam perder.

“Um dos fenômenos mais trágicos das sociedades pós-modernas é a ausência (ou perda) da memória, seja ela individual ou coletiva. Sim, hoje o homem é um infeliz desmemoriado.” Ricardo da Costa

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De fato, a arquitetura comunica e nos ajuda a manter viva a memória, mas isso só ocorre efetivamente se soubermos minimamente qual era o contexto histórico e cultural no momento da sua concepção, quais foram as motivações para a construção, qual era a sua finalidade e por que teve essas configurações. Caso contrário, sua apreciação serve para satisfazer temporariamente a nossa incessante busca pela beleza, mas não como um memorial da história da civilização.


Eu não serei capaz de responder a todas essas questões de maneira satisfatória neste texto, mas espero iniciar um estudo mais apurado e provocar algumas reflexões.


“Notre-Dame de Paris é um patrimônio da humanidade, uma obra de arte cuja beleza é apreciada por pessoas de todos os credos, e até pelas que não possuem credo nenhum. O edifício fala, entretanto, não apenas da massiva contribuição que a cultura cristã ofereceu para criar a civilização ocidental (contribuição ignorada pela Constituição da União Europeia), mas também da fé viva sem a qual a basílica seria apenas um museu.” Pe. Benedict Kiely

Como já foi repetido exaustivamente, a Catedral de Notre-Dame de Paris é uma das mais antigas catedrais francesas no estilo gótico, construída entre 1163 e 1345. Entretanto, essa denominação só apareceu no século XVI, quando os artistas do “renascimento”, desdenhando de toda produção artística do período anterior, afirmavam que sua aparência era tão “bárbara” que poderia ter sido criada pelos godos, daí “gótica”. Para os renascentistas, tudo o que não estava conforme a plástica da antiguidade grega ou latina era sumariamente rejeitado.


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Fachada Sul da Catedral Notre-Dame de Paris.


Segundo Règine Pernoud, uma consequência da limitada óptica clássica da qual ainda não nos libertamos é o método de estudar uma obra apenas pelas “origens” e as “influências” das quais ela procede. Como os renascentistas projetavam seguindo um código de normas estéticas clássicas, muitos historiadores da arte tiveram dificuldade para encontrar na arte gótica as fontes das quais ela teria exercido a imitação.


“E imaginam de boa-fé que [os renascentistas] descobrem um autor como Vitrúvio¹, por exemplo, ao qual se vão buscar as leis da arquitetura clássica, quando, sabe-se hoje, os manuscritos de Vitrúvio eram relativamente numerosos nas bibliotecas medievais, dos quais ainda hoje subsistem uns cinquenta exemplares, todos anteriores ao século XVI. Simplesmente, quando, na Idade Média, se copiava Vitrúvio, estudando-se os princípios sem sentir a necessidade de os aplicar exatamente.” Régine Pernoud

Apesar de parecer fora de contexto, essa introdução sobre a visão da Arquitetura Gótica a partir da óptica Renascentista, é importante para que nos demos conta de como nossa própria visão é permeada de ideias preconcebidas, e quão débil ainda é a nossa capacidade de fazer uma análise séria da arte do período medieval. Mas voltemos ao que interessa.



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Fachada Oeste da Catedral de Notre-Dame de Paris.

A arquitetura das catedrais góticas é a expressão mais completa da arte medieval. Não só porque na arquitetura sacra se reúnem as mais variadas técnicas de arte (pintura, escultura, vitral, tapeçaria, marcenaria), mas também porque ela buscava materializar o que há de mais elevado, traduzindo, em pedra, vidro e madeira, a Filosofia Escolástica².

“Os sentidos se comprazem nas coisas devidamente proporcionadas como em algo que se lhes assemelha; pois o sentido também é uma forma de razão como todo o poder cognitivo.” Santo Tomás de Aquino

Uma característica fundamental da arte medieval, e que é facilmente identificada nas catedrais góticas como a de Notre-Dame de Paris, é a multiplicidade de elementos sabiamente articulados. As partes das partes subordinadas umas às outras, seguindo uma ordem tal, que a concatenação de todas elas resulta em uma obra “una”, como se tivesse se concretizado em um único instante. Se à distância vemos a unidade e a beleza da Igreja, ao nos aproximarmos com atenção vemos que em cada uma de suas partes há mais riqueza do que poderíamos imaginar.


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Detalhes esculpidos no Portão do Julgamento, que dá acesso à Nave Central.

Foi com o intuito de deixar mais clara a fé apelando à razão e de clarear a razão apelando à imaginação, que os construtores recorreram aos sentidos (em especial a visão) para trazer mais clareza à imaginação. Assim, estas “Bíblias em pedra” possibilitaram que até os mais humildes pudessem ler e compreender a palavra de Deus e as verdades da fé.


Não existia, para o artista medieval, a arte pela arte. Tudo tinha sua razão de ser. Assim, a Catedral de Notre-Dame de Paris foi concebida para ser a casa de Deus, abrigar Jesus Eucarístico, para celebração litúrgica e para ser a catequese dos pequenos, mas seu fim - assim como o fim de suas funções citadas - era elevar as almas aos céus.


Poderíamos ainda falar de suas técnicas construtivas que possibilitaram a verticalidade mesmo com paredes tão delicadas, que permitiram a abertura para os vitrais que iluminam seu interior, ou do vasto simbolismo cristão que está presente desde a orientação de sua implantação até o detalhe da composição da janela e o gesto da figura esculpida em sua estrutura. São tantas minúcias que não poderiam ser executadas senão com o Amor. Deixemos estes ricos detalhes para outra oportunidade.


“Devemo-nos contentar, de momento, em admirar a maneira como os artistas da Idade Média souberam fazer da sua casa de orações como que o resumo e o apogeu da sua vida e das suas preocupações. Ela era não apenas o testemunho visível da sua fé, da ciência sagrada e profana, da liturgia, mas ainda o reflexo das suas ocupações quotidianas: lado a lado com um magistral “Julgamento Final”, súmula viva da majestade divina e dos últimos fins do homem, vêem-se camponeses a atar espigas, a aquecerem-se ao canto da lareira, a matar o porco. E encontramos igualmente testemunhos desse robusto sentido da beleza que possuíam os nossos antepassados, do seu amor pela vida, da sua alma serena…” Régine Pernoud

É preciso, por último, lembrar que a catedral Notre-Dame de Paris recebeu esse nome para honrar a Mãe de Deus, Nossa Senhora, tabernáculo vivo do Verbo Encarnado, que após o incidente mostrou-nos seu Filho e, com lágrimas nos olhos como em La Salete, lembrou-nos que, apesar dos estragos, o fogo não prevaleceu e não prevalecerá.


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Ora pro nobis Sancta Dei Genetrix.

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Notas:


¹Marcos Vitrúvio Polião (em latim, Marcus Vitruvius Pollio) foi um arquiteto romano que viveu no século I a.C. e deixou como legado a obra "De Architectura" , único tratado do período grego-romano que chegou aos nossos dias.


²A filosofia escolástica é um método de pensamento crítico e aprendizagem, com origem nas escolas monásticas católicas, que concilia a fé e a razão. Colocando ênfase na dialética para ampliar o conhecimento por inferência e resolver contradições. Seu principal representante é Santo Tomás de Aquino.

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KIELY, Pe. Benedict. Igreja, não museu.


PANOFSKY, Erwin. Arquitectura gotica y pensamiento escolástico. Las ediciones de La Piqueta. Madrid.


PERNOUD, Régine. O mito da Idade Média. Publicações Europa-América.


PERNOUD, Régine. Luz sobre a Idade Média. Publicações Europa-América.



 
 
 

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